Moisés tem por volta de 1,68 metros, cabelos brancos e está sempre de paletó preto. Possui um olhar firme, uma postura enérgica e empoderada. Nasceu em Pernambuco, na cidade de Barreiros, em 1960. Mas quem o vê agora, comunicativo e esbanjando espontaneidade, não imagina todas as fomes que já passou.
Durante a infância no interior pernambucano, sofreu com diversas agressões – físicas e psicológicas. A mãe não aceitava sua sexualidade. Entre uma cintada e outra, dizia que ele tinha que virar homem. O pai, ausente, abandonou a família para viver com outra mulher e a nova família, fruto do relacionamento extraconjugal.
A escola, que deveria ser um local de acolhimento, também se transformou em trauma.
Frango. Pica-bosta. Viadinho. Palavras que escutava com frequência e jamais se esqueceu. Sempre que o pequeno Moisés chegava em uma roda, todos dispersavam. Tinha uma atividade esportiva? Nem o colocavam na lista.
Com poucas condições, raramente levava merenda para o recreio. Até que um colega – Álvaro – reparou:
– Moisés, por que você não traz lanche?
– Porque sou pobre.
– Então vou dar meu lanche para você todos os dias e comprar o meu na cantina.
Ali, eles firmaram mais do que um acordo: uma amizade. Pouco depois, Álvaro levou-o para conhecer sua casa e propôs que morasse lá. Seus pais não foram contra, contanto que a mãe de Moisés permitisse. Ela aceitou. A condição era que o filho sempre passasse em casa para pedir a "bença".
O acolhimento da família adotiva escondia uma exploração infantil, que Moisés só conseguiu reconhecer na vida adulta. Durante o tempo em que ficou naquela casa – dos 8 aos 18 anos –, desempenhou os mais variados afazeres domésticos.
Nas datas comemorativas, presenciava a família trocando presentes, beijos e abraços. Não recebia nada. Não tinha nada. Não existia afeto para ele. Era como se não estivesse ali.
– Na Páscoa, ficava apaixonado pelos ovos que eles ganhavam. Quando jogavam a embalagem no lixo, eu pegava. Achava bonita e guardava. Na minha mente, falava: "Um dia vou ter um".
Desse período, Moisés lembra-se de seu primeiro e único presente: uma roupa de listras verde-musgo com detalhes em marrom. Seus olhos enchem-se de lágrimas com essa recordação.
– Foi o primeiro Natal feliz. Eu me senti uma criança muito importante.
O presente, porém, foi dado pela dona da casa após a cobrança feita por uma das empregadas para que o menino Moisés também pudesse ter uma roupa nova, além dos mesmos trapos que já usava há anos.
Quando atingiu a maioridade, decidiu tomar um novo rumo:
– Vou para São Paulo, para mudar de vida!
A decisão de deixar tudo para trás foi difícil, mas ele tinha uma esperança: chegar até a casa dos tios, "custe o que custar". Viajou de carona com um caminhoneiro e usou o próprio corpo para "custear" o percurso.
Ele sempre entendeu o afeto apenas como algo carnal, exclusivamente sexual, consequência de uma vida marcada por ausências.
Os parentes, que não sabiam da sua ida repentina, não foram receptivos, mas deixaram ele ficar.
– Moisés? Você? Como veio parar aqui?
Ao chegar no "bairro do aeroporto" ou, como chamavam, "favela do buraco quente", viveu o inverso do sonho. Passou a sofrer com o preconceito da rua e, mais uma vez, com o menosprezo dentro de casa. Ouvia que não servia "nem para lavar louça".
O tio ainda fazia questão de afirmar que não queria homossexuais na família, que aquela casa era de homem. Mesmo assim, Moisés não abaixava a cabeça.
– Fazia questão que as pessoas soubessem que eu era gay. Essa é a minha vida.
Cercado por um ambiente sem afeto e hostil, abraçou as oportunidades de trabalho que apareceram, juntou suas economias e mudou de barraco.
No serviço, porém, precisou esconder a sexualidade para se manter empregado. Instinto de sobrevivência. A pouca qualificação também dificultava – tinha estudado somente até a sétima série. Depois de 15 anos longe da escola, decidiu terminar os estudos.
Novamente, deparou-se com a intolerância. Dessa vez, de uma professora, quando estava prestes a se formar. Ela excluía-o dos ensaios da formatura, sem nenhuma razão explícita.
Indignados, os amigos de sala – diferente daqueles que o isolavam na infância – uniram-se, reivindicando sua participação na colação de grau. Eles também o ajudaram a alugar uma beca para a cerimônia. Em 1996, no Clube Ipê, Moisés formou-se.
– Foi uma formatura muito linda.
Em retrospectiva, todas as áreas de sua vida – acadêmica, profissional, familiar, amorosa – foram turbulentas. Ele nunca conseguiu se estabilizar. Sentia-se perdido. Tinha empregos inconstantes, queria trazer a família do Nordeste e, ao mesmo tempo, viver o grande amor.
A personalidade agitada fez com que tomasse algumas decisões que hoje entende como precipitadas. Perdeu uma paixão verdadeira por priorizar o bem-estar da mãe e da irmã, mesmo depois de tudo o que sofreu na infância. Seu grande amor partiu para Rondônia a trabalho e voltou mais duas vezes para buscá-lo, mas Moisés negou. Tinha de trazer a família para São Paulo.
Demorou para perceber que se importava demais com os outros, sem reciprocidade. Nem ele se priorizava. Mesmo estando rodeado de pessoas, sentia-se sozinho.
Todo esse acúmulo de vivências, traumas e rejeições emaranhavam-se num nó. Separação dos pais, falta de emprego em São Paulo, solidão com um relacionamento encerrado abruptamente. Por quatro vezes, tentou tirar a própria vida.
Há seis anos, Moisés vive um novo relacionamento. Ele diz amar seu parceiro, porém não sente retorno desse afeto. Com o passar do tempo o convívio tem se tornado frio, distante e instável.
Em 2020, com o isolamento social causado pela pandemia de Covid-19, a solidão aumentou ainda mais. Ele começou a preencher o vazio interior com objetos que achava na rua, principalmente tampinhas de garrafa. Virou um acumulador.
Foi em meio a esse turbilhão que conheceu a ONG EternamenteSOU, um local de acolhimento para idosos LGBTQIAPN+. Ele não esconde que lá entendeu, pela primeira vez, o que é o afeto.
– Me sinto acolhido. As pessoas que frequentam o EternamenteSOU são companheiras. Dão amor e carinho, independente da classe social. A gente não precisa de coisa material, precisa mais de um abraço. Tenho assistência, estou sabendo lidar com tudo isso trabalhando minha saúde mental.