Por Luiz Felipe Guimarães, Luiz Henrique Cisterna e Yasmim Santos

A fome que enfraquece os músculos em um sentido literal e deixa a visão amarela, como Carolina Maria de Jesus descreve, foi e ainda é um problema no Brasil.

Essa vulnerabilidade se tornou ainda mais evidente em meio à crise instaurada pela pandemia de Covid-19, quando o Brasil voltou ao mapa da fome da ONU (Organização das Nações Unidas) depois de oito anos.

O programa "Brasil Sem Fome" prevê a retirada do país do Mapa da Fome, novamente, até 2030.

Para Mezarobba, isso exige uma combinação de esforços, porque a fome biológica acontece quando as iniciativas do Estado "falharam miseravelmente". Na população de rua, em específico, outras carências ficam em segundo plano, em razão da falta de alimentos.

"Todas as outras políticas estruturantes que deveriam ser pensadas, como o acesso à moradia, ao mundo do trabalho, à educação, ao lazer, à cultura, ao esporte, não conseguem ser pautadas, porque quando a pessoa está com fome, isso vira a demanda mais urgente", afirma.

As experiências da psicóloga com pessoas em situação de vulnerabilidade mostraram que a fome não deixa apenas marcas físicas, mas também afeta a construção subjetiva de uma pessoa.

Um desses exemplos é Nilson Lopes. Militante do MNPR (Movimento Nacional da População em Situação de Rua) no Rio Grande do Sul e ex-morador de rua, ele retratou, na apresentação do livro: “Mas, se a gente é o que come, quem não come nada some! É por isso que ninguém enxerga essa gente que passa fome”, o sofrimento profundo causado pela falta de alimento.

"A fome é a maior violência que se pode submeter a um ser humano e nenhuma calamidade pode desagregar a personalidade humana tão profundamente e em um sentido tão nocivo quanto a fome. Eu sou a própria fome! Sou a fome personificada, porque a fome não está apenas no meu corpo, mas ela está na minha alma, na minha genética, na minha ancestralidade, portanto ela está em todas as dimensões da minha existência", Nilson Lopes.

Segundo a nutricionista Milene Massaro, diretora do Desans (Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional), que participou da implementação de políticas públicas de combate à insegurança alimentar, como o Bom Prato e o Viva Leite, uma das formas de combater a fome de alimento é incentivar e capacitar o cidadão para que ele desenvolva uma independência financeira e alimentar, e não dependa somente dessas políticas.

Outra medida é permitir que esses grupos levem diretamente as suas demandas ao governo, não apenas sejam representados por terceiros.

"O principal passo que precisamos dar, para efetivar as políticas públicas que realmente tenham esse olhar para pluralidade, é tornar o estado poroso às demandas, com esses grupos participando de fóruns deliberativos e de discussões", diz Massaro.

Com a fome sendo erradicada, como complementa Julia Mezarobba, o país vai conseguir lutar por todos os outros direitos negados a essas pessoas.

Mas acabar com a carência de alimentos não significa que todos os problemas estarão resolvidos. Isso porque a fome do ser humano, como dito anteriormente, ultrapassa as barreiras físicas.

Esse é o caso de Ana, David, Eduarda, Maria Cristina, Moisés e Neuza, apresentados nesta produção. Pessoas de mundos completamente diferentes. Uma musicista, um jovem que estava em situação de rua, uma mulher trans, uma mãe que luta por justiça, um homem gay e uma ex-professora ignoram as diferenças e ecoam um desejo: saciar a fome intocável.

Privações diferentes, mas que no final estão interligadas pela batalha de existir e de acreditar que vale a pena viver. Juntos, eles materializam a fome existencial.

Banco de Alimentos
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O Banco de Alimentos é uma organização sem fins lucrativos que funciona como uma ponte: arrecada alimentos com o intuito de repassá-los para instituições, entidades ou pessoas físicas.

O mais conhecido é o BCA (Banco Ceagesp de Alimentos), fundado em 2003 e localizado na zona oeste da cidade de São Paulo.

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Consea 2
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O Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) é o órgão responsável por coordenar as três instâncias do governo (municipal, estadual e federal) e a sociedade civil em um objetivo claro: o combate à insegurança alimentar.

Entre as responsabilidades do Conselho estão a revisão de programas já existentes e a elaboração de novas políticas públicas para o combate à fome.

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